sábado, maio 13, 2006

CRÔNICA

Pedro, o “louco”

“O número de loucos é infinito”, (Eclesiastes, I, 15)

Não sei exatamente qual personagem povoa minha mente, quando passo a tentar decifrá-lo e descrevê-lo agora. Pode ser um vaqueiro, policial, playboy, cantor, fotógrafo, punk, pastor, sei lá... Investido de plenos poderes para brincar de ser alguém em seu mundo próprio, Pedro no fundo era único. Vestia-se e fazia caras e bocas de qualquer um e ao final era o mesmo. Apesar de múltiplo, fez-se apenas Pedro, o “louco”. Ou o breve.
Submerso nas águas do rio Mossoró, numa madrugada do dia 18 deste março de 2006, levou consigo todas as mil faces, aspirações e as interrogações comuns a quem teve presença terrena fugaz, mas inquietante. Improdutiva, estéril, pode afirmar a maioria. Não! Meu amigo talvez fosse apenas um “maluco beleza”. Inofensivo.
Havia quem enxergasse nele características psíquicas de um autista (pessoa que vive num mundo pessoal, sem interagir com nada e ninguém). Contudo, esse perfil patológico não batia. Histriônico, loquaz, gestual forte, era impossível não ser notado serpenteando por ruas, praças e endereços comerciais da cidade. Às vezes se revelava introspectivo. Casmurro, fechado em si, devia passear por seu eu, em busca de uma nova persona.
Na verdade, quem poderia adivinhar o que borbulhava naquela cabeça?
Passadas largas e desengonçadas, corpo de estatura mediana e esguio, olhos vivos, sobrancelhas grossas, nariz adunco, bigode ralo, rosto afilado e uma nítida gaguez sempre que se apressava em falar. Pedro real era assim. Mas podia despontar com cabelos oxigenados, chapéu de cowboy ou uma Bíblia colada ao corpo “pregando” contra belzebu.
O fim cruel cairia como uma luva à literatura. Vivo fosse, Fernando Sabino teria outro Viramundo, “o grande mentecapto”, para romancear. Suas aventuras seriam no “País de Mossoró”, território único. Entretanto, ao contrário de Viramundo, enterrado como indigente aos 33 anos, Pedro, 28, teve um sepultamento modesto e cristão. Ainda bem.
Numa extensa lista de tipos populares que marcam o universo humano de Mossoró, de “Maria Pata Choca” à “Poeta”, pelo menos algum verbete deve imortalizá-lo. Como tantos outros que viveram fora do que nossa sociedade denomina de “normalidade”, Pedro fez sua parte. Cumpriu sua sina, diriam os teóricos da corrente que acredita no “destino” como uma peça divina, uma tragédia grega, traçada lá em cima.
Para quem sonhava com o estrelato, em ser notícia, ironicamente foi a morte quem materializou tantos devaneios. Nessa aspiração ele não marchava só. Caetano Veloso em uma de suas composições resolveu inocentar a todos nós desse delírio egocêntrico: “Gente é para brilhar”. O problema é que muitos querem ser o próprio “big-bang” (explosão que teria criado a via láctea). Bem, mas isso é outro delírio. Coisa de quem é “normal”.
“Aí, Carlos Santos, quando você vai botar no jornal uma matéria comigo?” Essa cobrança está latente. Meu amigo, só agora lhe atendo humildemente. Como aprofunda Erasmo de Rotterdam no clássico “Elogio da loucura”, nada é mais espiritual que fazer com que as frivolidades sirvam às coisas sérias.
Cá para mim: tenho uma dedução quanto à sua morte. Encontraste-a à procura da vida, extraindo o último personagem de sua mente fértil – Netuno, o deus das profundezas.

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