Ponta Negra e suas águas revoltas
Imagine um homem sendo esfaqueado impiedosamente. A lâmina perfura seu corpo e a dor começa a se manifestar. Ele conseguiu sobreviver, mas ficou aleijado e com marcas horríveis pelo corpo.
Este episódio é real e aconteceu durante uma tentativa de latrocínio, há alguns anos no Bairro de Ponta Negra, ocasião em que um “gringo” foi atacado por um marginal, nascido e criado na comunidade. Por ser adolescente, o criminoso cumpriu alguns meses de atividades sócio-educativas. Posto em liberdade, voltou a agir.
Dias passados, ao chegar à redação, recebi ligação de um rapaz. Era uma voz desesperada de um morador da Vila de Ponta Negra, que pedia justiça diante da morte de seu pai, assassinado covardemente por um viciado em drogas que, tempos atrás, quando era “de menor”, já havia cometido outros crimes, entre eles o esfaqueamento de um turista estrangeiro, deixando-o paraplégico para o resto da vida.
Não precisa ser nenhum Sherlock Holmes para desvendar que o mesmo bandido é o responsável por ambos os crimes descritos anteriormente. O que é difícil de compreender é como a justiça permite a liberdade de um jovem meliante que espalhava terror pelo bairro há vários anos. Seria a redução da idade penal um fator relevante na luta para conter o avanço da violência no Brasil?
Voltemos aos fatos: o caso deveria ser mais um entre tantos outros que correriam pelos noticiários policialescos e bocas da cidade. Mas para mim não foi. O personagem da notícia e pai do rapaz que telefonou para empresa onde trabalho, era um velho camarada meu, conhecido na Vila pelo apelido de “Mouco”.
Apesar da comoção, tive que registrar a morte bárbara de um pai de família que sempre trabalhou de maneira digna, como pintor de paredes, e partiu deste mundo de maneira trágica. Mais uma das várias vítimas de um ex-deliquente juvenil, provavelmente incorrigível, que se tornou assassino, sob efeito de drogas.
Antes de ser preso, o marginal foi ameaçado de linchamento pelos vizinhos, mas conseguiu sair ileso. Já eu não posso dizer o mesmo. Confesso que naquele dia senti frustração e, sobretudo, vergonha por fazer parte de uma geração (des) encantada pelos heróis fajutos, insuflados pelo Pedro BBBial. Ora vejamos: Ponta Negra sucumbe numa desgraça irreparável.
Os moradores da antiga Vila de pescadores e do Bairro são personagens de um cenário de guerra crônica, que faz de todos brasileiros reféns de violências diárias nas cidades que crescem. O pintor que foi morto, seus filhos órfãos e até mesmo o jovem assassino são coadjuvantes de um jogo de interesses envolvendo as esferas do poder público, os investidores estrangeiros e empresários da praia.
Devemos acrescentar a esses fatos a explosão do turismo sexual, a delimitação de áreas impróprias para banho devido à poluição e o crescimento do tráfico de drogas na Vila. Diante deste “cartão de visitas” insuportável para os que amam Ponta Negra, surge uma constatação desanimadora: por onde andam os jovens idealistas que em gerações passadas criavam mecanismos de protestos contra o sistema?
Será que os estudantes potiguares estariam dispostos a abrir mão dos intervalos entre suas “sagradas” aulas, bebedeiras em postos de gasolina e festas com música eletrônica, dentre outras atividades, e ir às ruas protestar em defesa da Praia? E os partidos ditos ecológicos ou que em seus programas defendem temas como meio-ambiente e segurança pública? Na última campanha, apresentaram vários candidatos jovens. Por onde eles andam?
Apesar de já existirem idéias louváveis como as do movimento SOS Ponta Negra, que promoveu o abraço ao Morro do Careca, é preciso intensificar a busca por ações permanentes.
Não podemos ser indiferentes com o sacrifício de vidas humanas e agressões ao meio ambiente. Casos como o do pintor de paredes, assassinado brutalmente, além dos vários trechos da praia impróprios para banho privam o povo de qualidade de vida, paz pública e arrasam a imagem da nossa querida praia.
Muriú de Paula Mesquita – Jornalista e morador do bairro há 20 anos