De origem árabe, Benjamim Abraão era assistente do lendário padre Cícero Romão, quando conheceu o "capitão Virgulino Ferreira, Lampião", protegido do religioso de Juazeiro (CE). Encantado com aquele personagem épico, que parecia emergir "d'As mil e uma noites", Abraão fixou-se numa idéia: perpetuar o cangaceiro através de câmeras de filmagem e fotografia. E conseguiu. Foi o único a produzir horas de filmes e centenas de fotos de valores inestimáveis, com Lampião e seus asseclas ao natural, em plena caatinga.
Passado tanto tempo, muito do mito Lampião se deve justamente a esse quase anô-nimo Abraão. Excelente marqueteiro, quando o vocábulo sequer existia no sertão, o capitão Virgulino fez do ex-pupilo do "padim Ciço" seu homem de comunicação.
Produzir lendas vivas não é uma tarefa fácil. O responsável pela imagem de um agente público, alguma celebridade ou de anônimos que se propõem ao estrelato, procura ter muitas ferramentas à mão para atingir seus objetivos.
Um detalhe é que a notoriedade virou produto de consumo fácil, num sistema fast-food de ser. Na política, música, seja lá em que segmento for, o sucesso episódico se multiplica. "Um dia todo mundo terá seus 15 segundos de fama", dizia o artista pop Andy Wharol já nos anos 60.
Entre nós, mesmo diante de reações de censura, manifestações de recalque e sintomas de intolerância contra si, Carlos Skarlack - secretário de Comunicação do governo da prefeita Fafá Rosado - tem sido responsável por boa dose do êxito na construção da imagem da governante até aqui.
Fafá, é bem verdade, possui alguns requisitos naturais que ajudam. E a conjuntura sociológica dá outra mãozinha. Para exemplificar, deve ser citado o carisma da prefeita. Skarlack, que conhece bem de perto esse predicado, desfia seu rolo de estratagemas para alargar a presença de Fafá, apostando em especial no uso (a utilização dessa palavra não é força de expressão) da mídia para isso.
Entretanto, ao mesmo tempo em que joga com virtudes e fraquezas da imprensa nativa para servir com fidelidade ao grupo de Fafá, o jornalista convive com pressão extremada e quase invisível, testando sua própria resistência. Filho de um trabalhador braçal e uma doméstica, estudante de escola pública, mestiço, pobre e com outros estigmas, Antônio Carlos Farias, dono do estranho pseudônimo de Skarlack, é mais um nome que paga por não ser um ariano mossoroense, espécie de pseudo-raça superior.
Não é nossa intenção canonizar Skarlack. Conhecemos como poucos os seus defeitos. Contudo, não dá para ser indiferente à marola torpe de uma legião de burgueses decadentes e "novos ricos" estúpidos. É uma gente que se imagina suprema e se sente traída, por verificar num cargo de vulto quem não faz parte de sua linhagem. Mas tudo isso é resultado ainda da estagnação social que Mossoró vive, mergulhada num provincianismo parvo, onde fazemos caras e bocas de cosmopolitas.
Skarlack comete deslizes censuráveis, mas eles ficam maiores porque estão enquadrados pela lente do preconceito elitista, acrescido do choro de invejosos de outros degraus da sociedade. O fato de praticamente ter continuado o mesmo, investido no cargo de secretário, é edificante para Skarlack, mas parece imperdoável aos pobres de espírito. "O poder não modifica o homem, o poder revela o homem", comentava o frei Betto.
Antônio Carlos, o Skarlack, vence por seu esforço e superação. Ele não age com o cientificismo e pragmatismo políticos de gênios como cardeal Richellieu na corte de Luis XIV, de Josef Goebbels expandindo a liderança de Hitler ou mesmo do sergipano Lourival Fontes, criador do mito Getúlio Vargas através do nefasto Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Contudo, nesse microcosmo que é Mossoró, tem parte dos méritos pela sustentação de Fafá e seu incipiente grupo político-familiar.
O jornalista, que está secretário, só tem que se acautelar com os tapinhas nas costas, esse tamborilar próprio do poder. Mais do que representar gesto de afeto, é a sinfonia da perfídia. Afinal de contas, a mão que afaga é a mesma que apedreja.
segunda-feira, maio 01, 2006
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Um comentário:
Parabéns pelo blog, caro amigo. Passarei a tê-lo como visista 'obrigatória'nas andanças diárias de leituras.
Abs,
LeoSodré.
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