domingo, fevereiro 11, 2007

Artigo (Edilson Pinto)

Por encomenda...

“Ah, essa gente que me encomenda
um poema
com tema...”
(Mário Quintana)

Escrever não é nada fácil. As pessoas acham que é só sentar em frente do computador ou pegar um papel em branco e um lápis, e pronto: surge o texto. Acho que é então, por isso, que muitos me cobraram: “Não vai escrever nada sobre o PCCS?”.

Primeiro, vou esclarecer o que significa o PCCS, pois alguns podem estar pensando que se trata daquela facção do crime organizado... Não! O PCCS é nada mais nada menos do que o Plano de Carreiras, Cargos e Salários que o Governo do Estado tenta enfiar goela abaixo, nos servidores da saúde – em especial nos médicos. Portanto, apesar da semelhança das siglas, com certeza, não foi o crime organizado que criou esse famigerado plano...

Esclarecida, pois, essa possível confusão que poderia existir entre o PCC e o PCCS, confesso que tentei, várias vezes, escrever sobre esse plano. Mas não saía nada, nenhuma idéia, nenhuma linha, nenhuma palavra... Nada. Assim, lembrei-me de Lispector e o seu livro magnífico “A maçã no escuro”, em que o personagem Martim tinha uma experiência, tinha um lápis, tinha um papel, tinha boas intenções e o desejo – coisas que ninguém teve mais do que isto nunca – e, no entanto, nada foi criado.

Penso que a explicação para essa minha esterilidade, com relação a esse plano, deva-se pela obviedade do tema: o plano é tão ruim, que não dar para se criar nada. Depois de anos e anos de luta dos servidores da saúde, para ser criado um plano que viesse, efetivamente, contemplar os anseios da categoria médica, o que se ver é uma enorme frustração com o engodo proposto pelo atual governo.

O plano é tão ruim, que ele mesmo reconhece a sua incompetência, quando em um dos seus artigos diz, claramente, que tem que se fazer um reajuste, uma reorganização, após seis meses de sua implantação. Os técnicos da Secretária de Saúde e Administração – com a sua “sabedoria” maquiavélica, não distinguindo que hemácias e moedas são diferentes – tentam colocar que se está oferecendo a oitava maravilha do mundo. Tentam nos convencer a abrir mão de 20 horas e de todo um passado de contribuição previdenciária – que não será devolvido ao servidor – , como uma forma nítida de reduzir o nosso já escasso salário.

Para se ter idéia do verdadeiro absurdo criado, os médicos urgentistas do Hospital Clóvis Sarinho, Santa Catarina, Tarcísio Maia, entre outros, responsáveis pelo atendimento dos casos mais complicados, perdendo noites e noites de sono, irão receber os mesmos valores de um profissional que esteja trabalhando em regime ambulatorial, onde os casos são muito menos complexo e o nível de estresse é infinitamente menor.

Então, quem irá continuar nestes hospitais? Eles serão fechados? Ou o plano criará um mecanismo – através de decreto – em que, após as dezenove horas, ninguém mais poderá adoecer neste Estado?

Mas, diante de todo esse absurdo criado pelas “mentes brilhantes” das Secretarias de Saúde e Administração do Estado, vejo o lado bom disso tudo. Aquilo que o filósofo Jean-Yves Leloup coloca muito bem: diante do absurdo, temos o dever de procurar a graça. E a graça que esse absurdo criado nos oferece é a nossa união – a nossa revolta, a nossa rebelião de não aceitar esse plano ridículo –, não aderindo a ele em nenhuma hipótese, pois, o contrário seria o mesmo que reconhecer a nossa incompetência enquanto classe – categoria profissional que tem a grandiosa missão do cuidar, embora os nossos governantes teimem em não enxergar essa verdade.

Essa graça que o plano nos oferece, significa, portanto, ousar a dar um passo em direção ao outro, indo além do nosso medo... pois, se ficarmos unidos, quero ver se esses técnicos conseguirão profissionais capacitados para, da noite para o dia, trabalhar nesses hospitais.

Acho, portanto, que cada médico, que esteja insatisfeito e revoltado com esse confisco disfarçado de plano, oferecido pelo nosso governo, deve, sim, pegar papel e lápis e tentar escrever a sua opinião, o seu texto, a sua indignação... pois eu não consegui fazê-lo, por pura falta de inspiração, já que esse plano é tão ruim que nem servir de tema para um texto, ele serve...

Francisco Edílson Leite Pinto Junior - Professor do Departamento de Cirurgia da UFRN

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