Valdemar dos Passarinhos
Mudam as estações, mudam cenários. Com a chegada do inverno — além do frio que açoita impiedosamente — perdermos cá um cenário que a mim, particularmente, agrada bastante: os artistas de rua, com suas apresentações. Aos poucos eles se afastam de seus pontos. Sempre que podia, parava um pouco para observá-los. Alguns tocam instrumentos, outros fazem show com bonecos mamulengos. Enfim, na essência, são parecidos com os nossos. Mas, em verdade, em meio a essas similaridades, ainda não encontrei nada parecido com o nosso Valdemar dos Passarinhos...
Conheci Valdemar nos alpendres de Zé da Volta e tia Francisquinha, casal que sempre acolheu o artista com muito carinho e atenção. No entanto, não posso fazer referência a ele, Valdemar, sem associá-la à nossa ida ao Rio de Janeiro, quando o acompanhei para sua apresentação na Rede Globo de Televisão. Mesmo já tendo se passado um tempo considerável, vez por outra amigos me fazem contar a memorável viagem. Já nem consigo precisar bem a data, mas, aos aficionados por televisão, relembro que foi no primeiro programa Domingão do Faustão. Isso mesmo. Valdemar dos Passarinhos dividiu o palco de estréia do referido programa com Xuxa Meneguel, Gilberto Gil, Wando, além de outras atrações.
Tudo começou com um telefonema que, de início, pensei até que fosse brincadeira. Alguém, identificando-se como da produção da Rede Globo, disse que gostaria de saber se, por meu intermédio, poderia falar com Valdemar dos Passarinhos. Respondi que sim, mas que necessitaria de um tempo para localizá-lo. Uma hora depois já estávamos em novo contato. Houve um pequeno problema quando o pessoal da emissora falou que a viagem teria que ser feita por via aérea, pois o fato de um programa piloto haver sido agendado para dois dias depois, inviabilizava o ônibus, como meio de transporte, reivindicado por Valdemar. Acompanhei-o, portanto, como solução para o impasse.
Ficamos no aprazível hotel Glória. Tivemos, à disposição, carro e motorista para o artista conhecer os pontos turísticos desejados. Apenas dois pedidos: Cristo Redentor e a praia de Copacabana. Nos intervalos dos ensaios e gravações, fomos aos passeios. No Cristo não houve nada de extraordinário, além do alumbramento. Já no calçadão de Copacabana, temos registros. O primeiro foi o comentário dele (Valdemar), em forma de lamento, de não ter levado, seus instrumentos, para uma apresentação. O local e a grande circulação de pessoas foram avaliados como propícios para o evento.
— Rapaz, dava muito certo, não era não? Dava para ganhar um dinheirinho...
Seguimos caminhando e, em mera coincidência, encontramos o ex-governador Tarcísio Maia, que, com o ar de riso e de espanto, foi logo perguntando:
— O que esse artista mossoroense está fazendo por aqui?
— Vim me apresentar na Globo, doutor - respondeu o intrépido Valdemar.
De forma solícita, Dr. Tarcísio nos deu o seu endereço, disse que estava à nossa disposição e seguiu. Como Valdemar ficou meio calado depois da despedida, eu perguntei se ele realmente tinha reconhecido aquele com quem tínhamos conversado. Ele, meio cabisbaixo, respondeu:
— Claro que sim, era o “governador”, só tô achando ruim porque ele não me deu nem dez ...”.
Na Globo, encerrada sua apresentação, com imitações de pássaros de nossa fauna, tais como bem-te-vi, galo-de-campina, graúna, seguida da caracterização de sons de outros animais, com especialidade para o jumento, o bode, cachorro, e as imperdíveis imitações dos choros de meninos filhos de ricos e pobres, houve, pelo menos, dois pitorescos episódios de bastidores. O primeiro deles foi o diálogo travado entre Valdemar e Gilberto Gil. O cantor baiano contornou todo o teatro Fênix para abraçar efusivamente o nosso “rei dos pássaros”, e cobri-lo de elogios.
— Parabéns, Valdemar, o senhor é artista nato. Que beleza de apresentação...
Valdemar, que até então somente respondia com repetitivos, “sim, sim”, depois que o hoje ministro afastou-se, virou-se para mim e perguntou:
— David, quem é esse neguinho tão contente que veio falar comigo?
Outro comentário feito por ele, Valdemar, que me fez rir, disfarçadamente, foi em relação à beleza da então jovem e festejada Xuxa , que, em certo momento, ficou a poucos metros da gente. Em tom desdenhoso, disparou:
— Ela não é essas coisas, não...
Antes do Domingão do Faustão, vale ressaltar, levado pelos irmãos Expedito Amorim e Amorim Filho, ambos dos quadros da Rádio Bandeirantes de São Paulo, Valdemar já tinha tido oportunidade de participar de outros programas de audiência nacional, tais como Sílvio Santos, Som Brasil, Perdidos na Noite, além de uma histórica apresentação no Memorial da América Latina, que teve na platéia ninguém menos que o velho dirigente cubano Fidel Castro. De volta a Mossoró, questionado sobre suas impressões do El comandante, Valdemar não tergiversa para descrever seu assistente ilustre: “Ele é um soldadão dessa altura”, diz, estendendo o braço para cima.
Hoje, Valdemar não mais imita os passarinhos... Credita tal impossibilidade à “falta dos dentes”. As apresentações rareiam, com o peso da idade. Ainda circula pelas ruas de Mossoró na inconfundível bicicleta, que antes servia de transporte para ele percorrer as feiras de muitos municípios da região Oeste, como autêntico artista popular. Valdemar Gomes da Silva, esse paraibano da cidade de Patos, nascido em 1932, e incorporado, desde muito tempo, à geografia humana potiguar, é, indiscutivelmente, uma “figura folclórica” associada ao imaginário coletivo da multifacetada terra da Santa Luzia.
David Leite é professor da Uern e advogado - davidmleite@hotmail.com
Mudam as estações, mudam cenários. Com a chegada do inverno — além do frio que açoita impiedosamente — perdermos cá um cenário que a mim, particularmente, agrada bastante: os artistas de rua, com suas apresentações. Aos poucos eles se afastam de seus pontos. Sempre que podia, parava um pouco para observá-los. Alguns tocam instrumentos, outros fazem show com bonecos mamulengos. Enfim, na essência, são parecidos com os nossos. Mas, em verdade, em meio a essas similaridades, ainda não encontrei nada parecido com o nosso Valdemar dos Passarinhos...
Conheci Valdemar nos alpendres de Zé da Volta e tia Francisquinha, casal que sempre acolheu o artista com muito carinho e atenção. No entanto, não posso fazer referência a ele, Valdemar, sem associá-la à nossa ida ao Rio de Janeiro, quando o acompanhei para sua apresentação na Rede Globo de Televisão. Mesmo já tendo se passado um tempo considerável, vez por outra amigos me fazem contar a memorável viagem. Já nem consigo precisar bem a data, mas, aos aficionados por televisão, relembro que foi no primeiro programa Domingão do Faustão. Isso mesmo. Valdemar dos Passarinhos dividiu o palco de estréia do referido programa com Xuxa Meneguel, Gilberto Gil, Wando, além de outras atrações.
Tudo começou com um telefonema que, de início, pensei até que fosse brincadeira. Alguém, identificando-se como da produção da Rede Globo, disse que gostaria de saber se, por meu intermédio, poderia falar com Valdemar dos Passarinhos. Respondi que sim, mas que necessitaria de um tempo para localizá-lo. Uma hora depois já estávamos em novo contato. Houve um pequeno problema quando o pessoal da emissora falou que a viagem teria que ser feita por via aérea, pois o fato de um programa piloto haver sido agendado para dois dias depois, inviabilizava o ônibus, como meio de transporte, reivindicado por Valdemar. Acompanhei-o, portanto, como solução para o impasse.
Ficamos no aprazível hotel Glória. Tivemos, à disposição, carro e motorista para o artista conhecer os pontos turísticos desejados. Apenas dois pedidos: Cristo Redentor e a praia de Copacabana. Nos intervalos dos ensaios e gravações, fomos aos passeios. No Cristo não houve nada de extraordinário, além do alumbramento. Já no calçadão de Copacabana, temos registros. O primeiro foi o comentário dele (Valdemar), em forma de lamento, de não ter levado, seus instrumentos, para uma apresentação. O local e a grande circulação de pessoas foram avaliados como propícios para o evento.
— Rapaz, dava muito certo, não era não? Dava para ganhar um dinheirinho...
Seguimos caminhando e, em mera coincidência, encontramos o ex-governador Tarcísio Maia, que, com o ar de riso e de espanto, foi logo perguntando:
— O que esse artista mossoroense está fazendo por aqui?
— Vim me apresentar na Globo, doutor - respondeu o intrépido Valdemar.
De forma solícita, Dr. Tarcísio nos deu o seu endereço, disse que estava à nossa disposição e seguiu. Como Valdemar ficou meio calado depois da despedida, eu perguntei se ele realmente tinha reconhecido aquele com quem tínhamos conversado. Ele, meio cabisbaixo, respondeu:
— Claro que sim, era o “governador”, só tô achando ruim porque ele não me deu nem dez ...”.
Na Globo, encerrada sua apresentação, com imitações de pássaros de nossa fauna, tais como bem-te-vi, galo-de-campina, graúna, seguida da caracterização de sons de outros animais, com especialidade para o jumento, o bode, cachorro, e as imperdíveis imitações dos choros de meninos filhos de ricos e pobres, houve, pelo menos, dois pitorescos episódios de bastidores. O primeiro deles foi o diálogo travado entre Valdemar e Gilberto Gil. O cantor baiano contornou todo o teatro Fênix para abraçar efusivamente o nosso “rei dos pássaros”, e cobri-lo de elogios.
— Parabéns, Valdemar, o senhor é artista nato. Que beleza de apresentação...
Valdemar, que até então somente respondia com repetitivos, “sim, sim”, depois que o hoje ministro afastou-se, virou-se para mim e perguntou:
— David, quem é esse neguinho tão contente que veio falar comigo?
Outro comentário feito por ele, Valdemar, que me fez rir, disfarçadamente, foi em relação à beleza da então jovem e festejada Xuxa , que, em certo momento, ficou a poucos metros da gente. Em tom desdenhoso, disparou:
— Ela não é essas coisas, não...
Antes do Domingão do Faustão, vale ressaltar, levado pelos irmãos Expedito Amorim e Amorim Filho, ambos dos quadros da Rádio Bandeirantes de São Paulo, Valdemar já tinha tido oportunidade de participar de outros programas de audiência nacional, tais como Sílvio Santos, Som Brasil, Perdidos na Noite, além de uma histórica apresentação no Memorial da América Latina, que teve na platéia ninguém menos que o velho dirigente cubano Fidel Castro. De volta a Mossoró, questionado sobre suas impressões do El comandante, Valdemar não tergiversa para descrever seu assistente ilustre: “Ele é um soldadão dessa altura”, diz, estendendo o braço para cima.
Hoje, Valdemar não mais imita os passarinhos... Credita tal impossibilidade à “falta dos dentes”. As apresentações rareiam, com o peso da idade. Ainda circula pelas ruas de Mossoró na inconfundível bicicleta, que antes servia de transporte para ele percorrer as feiras de muitos municípios da região Oeste, como autêntico artista popular. Valdemar Gomes da Silva, esse paraibano da cidade de Patos, nascido em 1932, e incorporado, desde muito tempo, à geografia humana potiguar, é, indiscutivelmente, uma “figura folclórica” associada ao imaginário coletivo da multifacetada terra da Santa Luzia.
David Leite é professor da Uern e advogado - davidmleite@hotmail.com
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