A lição de Tobias
Eu, também, quando quero saber das novidades do mundo, começo a reler a Bíblia. No entanto, essa novidade que aprendi, neste último final de semana, apesar de estar contido nas Escrituras Sagradas, não foi lá na Bíblia que a li. Li mesmo foi no escritor e filósofo Jean-Yves Leloup, no seu maravilhoso livro “O corpo e os seus símbolos”. Para Leloup, o homem é o seu próprio livro de estudo, bastando para isso que ele vá virando as páginas, até encontrar o autor.
E foi isso que eu fiz. Passei as páginas do livro do Leloup, até chegar à página 100 (que interessante, não é mesmo?), para conhecer a história de Tobias, cujo livro, no Antigo Testamento, nos conta que ele curou os olhos do seu pai com a bile, com o “fel” de um grande peixe das profundezas do rio Tigre.
Para os gregos, é da bile negra que se origina a palavra “Melancolia”. Então, é por isso que o Leloup conclui: “É preciso olhar o que em nós produz a bile, a tristeza e a infelicidade. É preciso olhar o que nos ‘rói o fígado’. Aceitando este fel e esta sombra, poderemos ver claramente (...) curamo-nos a partir do que nos molesta, do que nos faz mal. Aquilo que para nós pode ser um veneno, tomado em certa dose, pode tornar-se um instrumento de cura”.
Pois bem, aprendida a lição, já pude colocá-la em prática, assim que cheguei, nesta segunda-feira, no meu ambiente de trabalho; pois encontrei uma colega, que sempre está alegre, numa profunda expressão de tristeza, de melancolia. Foi impossível não perceber. Existem pessoas que, por mais que tentem disfarçar, não conseguem ... Aí eu perguntei: “O que te aflige, minha cara?”. Ela, quase chorando, respondeu: “Depois de tudo que fiz por ela, depois de tudo que fiz, para que ela chegasse à cadeira do poder... bastou ocupá-la, por tão pouco tempo, para mais uma vez me esquecer ... e o que eu queria, era tão pouco... nada demais... apenas que o meu nome pudesse constar numa tal lista, etc, etc...”. A minha colega interrompeu a sua queixa para chorar ...
Rapidamente, vi que tinha que intervir. Lembrei-me do Tobias, do fel do peixe e dos olhos de seu pai. Lembrei-me, também, da confusão que as pessoas fazem, ao considerar qualquer relação como amizade – desvalorizando, assim, esse sentimento tão nobre. “Temos rotulado como amizade relacionamentos que não passam de disfarçadas formas de egoísmo”. Ora, amizade é diferente de simpatia, de estar enamorado, de proximidade, de roda de conversas, de camaradagem...
“Quem encontrou um amigo, encontrou um tesouro”, já se dizia no Eclesiastes. É, por isso, que na sua “Ode à Alegria”, Schiller canta bem alto: “Quem já conseguiu o maior tesouro/ De ser amigo de um amigo,/ Quem já conquistou uma mulher amável/ Rejubile-se conosco!”. Tem razão, então, Aristóteles ao sentenciar: “Aquele que abandona um amigo é porque nunca o foi”.
Eureka! A cura da dor, da melancolia, de minha companheira de trabalho está aí: “Quem abandona um amigo é porque nunca o foi”. Então, por que chorar por alguém que nunca foi sua amiga, perguntei. “É mesmo! Agora, que eu percebo, ela nunca foi minha amiga. Sempre esteve comigo quando precisava, pois sabia que eu estava sempre com a mão estendida para socorrê-la...” - respondeu-me.
Contudo, precisava dar a dose final do “fel”, para curar os olhos da minha companheira. Perguntei mais uma vez: “Você acha que ela seria capaz de dar a sua própria vida para salvar a sua?”. Espantada – e com os olhos enxergando maravilhosamente bem –, a minha amiga respondeu: “Eu seria capaz de dar a minha vida por ela, mas a recíproca seria duplamente falsa”. “Então, ela nunca foi sua amiga”, dei a sentença final.
– Pra que, portanto, chorar por alguém que nunca foi seu amigo, talvez apenas um companheiro?
– É mesmo, você tem razão, disse-me ela, rindo. Mas... será que eu vou suportar ainda conviver com ela?
– Claro que sim! Continue a mesma: mão entendida e o coração bem preparado para tanta ingratidão... Ah! E não se esqueça do que disse o Mário Quintana: “Não te irrites, por mais que te fizerem... Estuda, a frio, o coração alheio. Farás, assim, do mal que te querem, Teu mais amável e sutil recreio...”
..........................................................
- Qual a recordação mais agradável?
- O dia em que descobri o amor.
- Qual o dia mais triste?
- Quando me dei conta de que a amizade
não era tão sincera como eu acreditava...”
(Pilar Velázquez)
Francisco Edílson Leite Pinto Junior - Professor do Departamento de Cirurgia da UFRN
Eu, também, quando quero saber das novidades do mundo, começo a reler a Bíblia. No entanto, essa novidade que aprendi, neste último final de semana, apesar de estar contido nas Escrituras Sagradas, não foi lá na Bíblia que a li. Li mesmo foi no escritor e filósofo Jean-Yves Leloup, no seu maravilhoso livro “O corpo e os seus símbolos”. Para Leloup, o homem é o seu próprio livro de estudo, bastando para isso que ele vá virando as páginas, até encontrar o autor.
E foi isso que eu fiz. Passei as páginas do livro do Leloup, até chegar à página 100 (que interessante, não é mesmo?), para conhecer a história de Tobias, cujo livro, no Antigo Testamento, nos conta que ele curou os olhos do seu pai com a bile, com o “fel” de um grande peixe das profundezas do rio Tigre.
Para os gregos, é da bile negra que se origina a palavra “Melancolia”. Então, é por isso que o Leloup conclui: “É preciso olhar o que em nós produz a bile, a tristeza e a infelicidade. É preciso olhar o que nos ‘rói o fígado’. Aceitando este fel e esta sombra, poderemos ver claramente (...) curamo-nos a partir do que nos molesta, do que nos faz mal. Aquilo que para nós pode ser um veneno, tomado em certa dose, pode tornar-se um instrumento de cura”.
Pois bem, aprendida a lição, já pude colocá-la em prática, assim que cheguei, nesta segunda-feira, no meu ambiente de trabalho; pois encontrei uma colega, que sempre está alegre, numa profunda expressão de tristeza, de melancolia. Foi impossível não perceber. Existem pessoas que, por mais que tentem disfarçar, não conseguem ... Aí eu perguntei: “O que te aflige, minha cara?”. Ela, quase chorando, respondeu: “Depois de tudo que fiz por ela, depois de tudo que fiz, para que ela chegasse à cadeira do poder... bastou ocupá-la, por tão pouco tempo, para mais uma vez me esquecer ... e o que eu queria, era tão pouco... nada demais... apenas que o meu nome pudesse constar numa tal lista, etc, etc...”. A minha colega interrompeu a sua queixa para chorar ...
Rapidamente, vi que tinha que intervir. Lembrei-me do Tobias, do fel do peixe e dos olhos de seu pai. Lembrei-me, também, da confusão que as pessoas fazem, ao considerar qualquer relação como amizade – desvalorizando, assim, esse sentimento tão nobre. “Temos rotulado como amizade relacionamentos que não passam de disfarçadas formas de egoísmo”. Ora, amizade é diferente de simpatia, de estar enamorado, de proximidade, de roda de conversas, de camaradagem...
“Quem encontrou um amigo, encontrou um tesouro”, já se dizia no Eclesiastes. É, por isso, que na sua “Ode à Alegria”, Schiller canta bem alto: “Quem já conseguiu o maior tesouro/ De ser amigo de um amigo,/ Quem já conquistou uma mulher amável/ Rejubile-se conosco!”. Tem razão, então, Aristóteles ao sentenciar: “Aquele que abandona um amigo é porque nunca o foi”.
Eureka! A cura da dor, da melancolia, de minha companheira de trabalho está aí: “Quem abandona um amigo é porque nunca o foi”. Então, por que chorar por alguém que nunca foi sua amiga, perguntei. “É mesmo! Agora, que eu percebo, ela nunca foi minha amiga. Sempre esteve comigo quando precisava, pois sabia que eu estava sempre com a mão estendida para socorrê-la...” - respondeu-me.
Contudo, precisava dar a dose final do “fel”, para curar os olhos da minha companheira. Perguntei mais uma vez: “Você acha que ela seria capaz de dar a sua própria vida para salvar a sua?”. Espantada – e com os olhos enxergando maravilhosamente bem –, a minha amiga respondeu: “Eu seria capaz de dar a minha vida por ela, mas a recíproca seria duplamente falsa”. “Então, ela nunca foi sua amiga”, dei a sentença final.
– Pra que, portanto, chorar por alguém que nunca foi seu amigo, talvez apenas um companheiro?
– É mesmo, você tem razão, disse-me ela, rindo. Mas... será que eu vou suportar ainda conviver com ela?
– Claro que sim! Continue a mesma: mão entendida e o coração bem preparado para tanta ingratidão... Ah! E não se esqueça do que disse o Mário Quintana: “Não te irrites, por mais que te fizerem... Estuda, a frio, o coração alheio. Farás, assim, do mal que te querem, Teu mais amável e sutil recreio...”
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- Qual a recordação mais agradável?
- O dia em que descobri o amor.
- Qual o dia mais triste?
- Quando me dei conta de que a amizade
não era tão sincera como eu acreditava...”
(Pilar Velázquez)
Francisco Edílson Leite Pinto Junior - Professor do Departamento de Cirurgia da UFRN
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