domingo, janeiro 28, 2007

Artigo (Edilson Pinto)

Alia jacta est

Chegou o tempo em que quero amar um pouco a mim mesmo”(Cícero – orador romano)

O poeta Manoel de Barros já tinha nos ensinado: “repetir, repetir, repetir, até ficar diferente”. E começo a acreditar que essa hora de ficar diferente, chegou... ninguém mais suporta esse mesmo filme. Esse roteiro antigo com os mesmos personagens... a cada três meses, nós médicos somos brutalmente agredidos na nossa honra e na nossa dignidade.

Não satisfeitos em nos oferecerem condições desumanas de trabalho – corredores abarrotados de pacientes; falta de exames laboratoriais básicos; falta de macas; ausência de um dormitório digno de repouso médico; falta de alimentação a até mesmo de água para os plantonistas beberem –, acharam pouco, e agora querem testar até aonde vai a nossa paciência e nosso limite de suportar o insuportável. Reduzir os nossos salários, já tão escassos à metade, parece que é só o início de um plano maquiavelicamente programado, que o pior ainda está por vir...

Agora nem querem mais pagar os plantões que já foram dados. Querem aplicar o calote. E o pior é que assumiram um compromisso, assinando um documento, de que nada, absolutamente nada, seria mudado até que entrássemos num acordo. Mas ... é sempre a mesma história: “O que eu digo, não se escreve. Pois só a mentira é que é a verdade”.

E o pior é que quem mente hoje é o mesmo que, ontem, lutava pela verdade. Fazia-nos acreditar em suas palavras. Mas, as palavras que são feitas de respiração – que nada mais são do que vida –, como dizia Hamlet, tornam-se mortas, se elas – as palavras – não forem acompanhadas de ações, de atitudes, de hombridade, de caráter, de vergonha na cara, etc, etc...

Tudo bem! Sei que existe a cadeira do poder e a sua síndrome com a capacidade enorme de distorcer a razão – levando ao embotamento da inteligência – não só pela cegueira que produz, mas também pela ambição, surdez, cinismo e desonestidade com o seu passado... mas, dizer que não entende os motivos desse movimento, ora levantado pela classe médica, é mais uma vez atentar contra a nossa inteligência. E por isso, recorro a Hamlet novamente, para dizer que “somente olhos sem tato; tato sem vista, ouvidos sem mãos ou olhos, olfato sem nada, a mais insignificante parte de um único e são sentido teria bastado para impedir semelhante estupidez”...

E diante do absurdo, ensinava Camus, temos que nos revoltar, nos insurgir, nos rebelar. “Quem pretende ser um homem deve ser não-conformista”, já dizia o filósofo Emerson. Não existe outro caminho a seguir, senão o da greve. Pois agora, muito mais do que lutar por salários, está em jogo é a nossa dignidade, é a nossa história de luta de tantos anos de estudos (seis anos de curso, mais pelo menos três de residência médica, mais quatro de pós-graduação), é a nossa condição de continuarmos nos olhando nos espelhos da vida, sem ter que baixar a vista pela vergonha da nossa incapacidade e coragem de reagir, de lutar.

A questão agora não é mais “hamletiana” do ser ou não ser. O que se deve perguntar é se quero continuar a ser um “peão de branco”, fingindo ser médico; ou ser verdadeiramente um médico respeitado?

Então, meus caros colegas médicos, assim como Júlio César – grande imperador romano – que se imortalizou pela sua coragem, demonstrada quando atravessou o rio Rubicão, com apenas dez legiões, para combater o seu arquiinimigo Pompeu (este com sessenta legiões), dizendo a célebre frase: “Alia jacta est”, é o que teremos de dizer agora: “a sorte está lançada!”

E podem acreditar: a sorte está sim, do nosso lado... Eles que apostaram, sempre, na nossa fragilidade, a nossa desunião...não perceberam que aí está a nossa vantagem. Pois já dizia Sun Tzu e a sua arte da guerra: “Se você não conhece nem o inimigo nem a si mesmo, perderá todas as batalhas”. Os maquiavélicos não perceberam que, empurrando-nos, durante todos esses anos, para o fundo do poço... onde o espaço é estreito demais para tanta gente, a união era inevitável.

Portanto, que cada um seja um guerreiro em dobro, exercendo seu ofício médico dentro da ética e contribuindo para o esclarecimento da população, mostrando de quem é verdadeiramente a culpa pelo estado caótico em que se encontra a saúde do nosso estado.

Avante, caros colegas, e vamos à vitória!

Francisco Edílson Leite Pinto Junior - Professor do Departamento de Cirurgia da UFRN e Médico do Hospital Clóvis Sarinho

Nenhum comentário:

Comunicado final deste Blog Jornalístico

A partir de hoje, um novo endereço na Internet responde pelo trabalho jornalístico que procuro desenvolver neste universo virtual. Depois de...