domingo, novembro 19, 2006

Artigo

Quem cuidará do cuidador?

Vou lançar o desafio: alguém pode responder-me qual a diferença entre os controladores de vôos e os médicos do Hospital Clóvis Sarinho (HCS)? Não, não sabem! Pois bem, vou dizer: é quase nenhuma. Os controladores de vôos vivem mal, ganham mal, trabalham em profundo estresse, perdem noites e noites de sono e ainda não podem errar, sob pena de promover uma catástrofe... pois, assim, são os médicos também.

Então, não existe diferença entre esses dois profissionais: os controladores de vôos e os médicos do HCS? Não? Existe sim. A diferença está no tempo. O governo federal aponta para um período de 60 dias a normalização do problema do tráfego aéreo do nosso país, enquanto, aqui, ninguém, absolutamente ninguém, quis estimar um tempo para organizar esse caos chamado HCS.

Talvez, 60 anos até seja pouco, para resolver o descalabro do HCS... e se continuarmos com essa política de saúde – em que cada um dos gestores só faz é se abster das suas responsabilidades, não assumindo de fato o seu papel –, a resolução será Ad eternum... Assim, poderemos concluir que pouco mesmo é a vergonha na cara dos responsáveis por esse caos.

E quando digo que é um caos, acho que estou até sendo um pouco modesto na colocação. Dia 14/11/2006, o HCS estava um caos, literalmente um caos: além das inúmeras macas perfiladas ao longo de todos os corredores, pacientes e mais pacientes continuavam chegando aos montes... e não havia mais nenhuma condição de recebê-los... A situação chegou a um ponto tão desesperador que pedi a um colega do SAMU (Serviço de Atendimento Médico às Urgências) que deixasse os pacientes ficarem dentro das ambulâncias, pois lá eles estariam mais bem assistidos do que dentro do HCS. Um colega médico, já com o peso da idade, hipertenso e diabético, virou para mim e pediu, quase implorando, que o deixasse ir embora, pois senão o próximo enfartado seria ele...

E a culpa é da direção do HCS? De jeito nenhum. Eles fazem o que podem e o que não podem... E o que não pode continuar é essa situação de caos. Pois quem paga, por isso, é o paciente, que é mal atendido; e os profissionais do HCS, que estão à beira de um ataque de nervos. É a chamada Síndrome de Burnout que se caracteriza por: cansaço; indiferença; ansiedade; irritabilidade; pessimismo; pensamentos obsessivos; perda da auto-estima; somatizações; consumo de álcool e psicofármacos; insônia; depressão e até suicídio...

Pois bem! São inúmeros os casos de depressão, hipertensão, tentativas de suicídios, etc, etc, entre os profissionais do HCS. Qual o número? Não sei, pois ninguém teve a curiosidade de aferi-los, porém nós que estamos lá sabemos que são mesmo inúmeros...

Os profissionais de saúde, que trabalham na urgência, são chamados sempre a intervir em situações de risco de vida, por isso é natural o sentimento de angústia. Lidar com o sofrimento, diz o médico Eugênio Paes Campos, implica, muitas vezes, em reviver momentos pessoais de sofrimento. Implica se identificar com a pessoa que sofre e sofrer junto com ela. Ou seja, conviver com o sofrimento gera sofrimento. Mas, esse sofrimento será multiplicado pelo exponencial da milésima potência se as condições de trabalho forem péssimas, como no HCS.

Já dizia Khalil Gibran: “O trabalho é o amor tornar visível”. E o amor, onde fica nisso tudo? Bem afastado de todos nós, é a triste verdade. A condição fundamental e única – que é o amor – para justificar a existência desses profissionais não consegue brotar nessa situação de caos... Até quando, fico a me perguntar? Até quando suportaremos conviver nessa situação? Quantos médicos e enfermeiros precisarão adoecer ou perder a sua vida para que alguém pense em procurar uma solução para esse caos?

Governadora Wilma! Sei que a senhora sozinha não é a única culpada por tudo isso... existem outros é bem verdade. Mas, a Senhora tão poderosa que é, conseguindo derrotar todos os caciques de uma só vez... conseguindo derrotar o maior “mito vivo” deste estado, o senador Garibaldi Filho – que sem dinheiro e sem o apoio do seu tio Aluízio Alves, mostrou-se ter pés de barros –, poderia chamar para si esse desafio: resolver o caos da saúde do nosso estado. E por favor, não venha dizer que saúde é cano nas ruas e alimento na mesa dos pobres, pois só isso não basta, não é mesmo? O que precisamos é, sim, de um plano emergencial que trate a sério os verdadeiros e reais problemas: péssimas condições de trabalho, remuneração aviltante, falta de política de prevenção das doenças, etc, etc...

Governadora, o desafio está lançado! Mostre-nos que a senhora é de fato uma guerreira...

Francisco Edílson Leite Pinto Junior - Professor do Departamento de Cirurgia da UFRN

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